Não é legítimo o compartilhamento de relatórios de informação financeira pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com a autoridade policial ou o Ministério Público antes da instauração do inquérito.
A conclusão é da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça e representa uma reviravolta, menos de um mês depois de decisão em sentido contrário.
Nos dois casos, o STJ foi chamado a avançar na interpretação de um tema já balizado parcialmente pelo Supremo Tribunal Federal.
Trata-se do compartilhamento de informações financeiras sigilosas com os órgãos de investigação criminal sem necessidade de autorização judicial prévia.
A prática é constitucional, inclusive quando o compartilhamento é feito a pedido da autoridade policial ou do Ministério Público, conforme decidiu recentemente a 1ª Turma da corte suprema.
Em ambos os casos, esse pedido foi feito antes da instauração de um inquérito. No recurso já julgado, havia um procedimento preliminar ao inquérito (verificação preliminar de informações – VPI) para averiguar os fatos, sendo que uma das diligências feitas pelo delegado da Polícia Federal foi pedir dados ao Coaf.
Por unanimidade, a 5ª Turma validou a obtenção dos relatórios financeiros por entender que o que a jurisprudência do STF exige é que exista um procedimento formal, como o VPI, com garantia de sigilo e possibilidade de passar por controle posterior pelo Judiciário.
Nesta terça-feira, o caso foi de notícia de fato, recebida pelo Ministério Público quanto a um caso de estelionato. O representante, então, recorreu ao Coaf e recebeu os dados antes de formalizar a abertura do inquérito.
Por 3 votos a 2, o colegiado considerou o compartilhamento ilícito e anulou as provas obtidas pelo MP.
É formal, mas não é investigação
A mudança de posição se deu em voto-vista do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que refletiu melhor sobre o tema e se disse arrependido da posição assumida em maio.
A argumentação partiu da premissa, fixada pelo STF, de que o compartilhamento de informações pode ser feito desde que haja investigação formalizada.
Tanto a notícia de fato como o procedimento preliminar ao inquérito (VPI) são de institutos anteriores à investigação — há uma mera checagem de informações preliminares para saber se é necessário ou não abrir o inquérito.
A regulação do uso da notícia de fato, feita pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por meio da Resolução 147/2017, reforça essa conclusão.
A norma diz que, ao receber a notícia de fato, o membro do MP pode colher informações preliminares imprescindíveis para deliberar sobre a instauração do procedimento próprio, sendo vedada a expedição de requisições.
“Se Ministério Público não pode, em notícia de fato, fazer requisições, a polícia também não pode, em sede de VPI, requisitar informações ao Coaf”, disse o ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
Em sua nova análise, embora tanto o VPI quanto a notícia de fato tenham alguma formalidade em seu procedimento, não preenchem o requisito de “investigação formal” usado pelo Supremo para autorizar o compartilhamento.
“Qualquer tipo de informação, ainda que inverídica, pode levar à instauração de notícia de fato ou VPI, motivo pelo qual não são admitas medidas invasivas no período anterior à formalização do inquérito”, concluiu.
Relator vencido
A nova posição foi encampada pelos ministros Joel Ilan Paciornik e Daniela Teixeira, que formaram a maioria.
Ficaram vencidos o relator, ministro Ribeiro Dantas, e o ministro Messod Azulay. Nesse caso, eles meramente replicaram a argumentação do caso anterior, que já havia sido julgado pela 5ª Turma.